Argentina - Minha primeira viagem ao exterior
- ctbretas
- 11 de jun. de 2024
- 6 min de leitura
Eu estava para completar quinze anos em julho de 1975. Minha mãe sempre organizava grupos para ir à Argentina nas férias, em parceria com uma determinada agência de viagens. Era uma época em que os brasileiros invadiam aquele país devido à diferença do poder econômico que favorecia o nosso povo. Ainda com a programação de passear em Buenos Aires e depois levar a molecada a Bariloche para ver neve, ganhei, em cima da hora, um lugar no pacote daquele ano. Imediatamente aceitei.
Sempre gostei de conhecer coisas novas e, naquela época, embora a Argentina estivesse em péssimas condições financeiras, eu queria mesmo era ter a experiência de sair do país pela primeira vez. Nunca tinha voado. Sabia que iria adorar esse negócio de avião. Sonho de criança. Outro motivo que me estimulou muito a fazer essa viagem foi o intercâmbio, com início marcado para janeiro de 1976, ou seja, cerca de sete meses depois dessa viagem. Seria uma experiência preliminar ao grande acontecimento que estava por vir.
Nessa época, meus pais já estavam divorciados e existia uma certa dificuldade de reunir informações precisas de ambos os lados. Como eu morava com meu pai, o problema ficava ainda maior, pois tudo tinha sido organizado por minha mãe. Arrumei minha bagagem com o que eu tinha. Nada compatível ao frio que iria enfrentar. Vivenciar Buenos Aires e Bariloche no inverno, para um moleque que era acostumado ao sol, ao mar e ao calor do Leblon, era algo realmente estimulante, mas isso não me assustava. Queria viver uma aventura no exterior. Não tinha nem casaco específico para o frio que me esperava, mas tinha a promessa de comprar um assim que chegássemos a Buenos Aires.
Voar não foi problema algum. Para falar a verdade, sempre me imaginei em aviões, adoro! Há algum tempo, durmo até antes de levantar voo. Voos curtos como São Paulo, Brasília e Curitiba durmo durante todo o percurso e só acordo com o avião chegando, ao bater na cabeceira da pista.
A cidade de Buenos Aires impressionava. Linda e imponente. Muitos prédios altos e construções históricas. Ficamos num hotel maravilhoso, perto da Praça San Martin, com uma vista para o fabuloso Rio da Prata e da bela estação ferroviária. Nessa época, os argentinos ainda se vestiam muito bem. Roupas e casacos bem trabalhados, muito couro, não se via mendigos como no Rio de Janeiro. Mas, realmente, fazia bastante frio. Andava com outros jovens do grupo da viagem pelas ruas. Nosso subgrupo tinha oito pessoas entre 14 e 17 anos. Meio irresponsáveis, já que só tínhamos pequenos mapas para nos orientar. Fomos descobrindo uma cidade, enorme, encantadora e, principalmente, com atraentes lojas esportivas.
Nunca foi segredo que sou louco por roupas esportivas desde criança. A marca de roupa e tênis da Adidas era o "must" daquela época e, seus preços, na Argentina eram muito mais baratos do que no Brasil. Sempre fui esportista e era atleta de basquete do Flamengo, então adorava tênis, casacos e camisas de time de futebol. Descobri logo que tênis não é adequado para locais frios, principalmente de lona como era o meu All Star. Era o calçado que usava para jogar basquete no Flamengo. Típico para quem era praticante desse esporte. Hoje existem tênis muito mais específicos.

Já com o casaco que minha mãe me havia prometido e que realmente esquentava bastante, andávamos por todos os locais que nos interessavam. Sempre preocupado em chegar no local e na hora marcada para comer. As refeições para um adolescente são sagradas, em especial, quando você não tem dinheiro para comer onde e quando quiser. Sabia que iria rolar uma carne argentina de alta qualidade. Tinha também que respeitar os horários e os locais pré-determinados pela excursão (coisa que a molecada não era muito chegada), regras que era obrigado a cumprir.
Passamos três dias em Buenos Aires antes de embarcar para Bariloche. Conhecemos tudo andando pelo centro. Casa Rosada, Obelisco, Teatro Cólon, Av. Nove de Julho e alguns parques e jardins. Claro que nessa idade não tinha a visão que tenho hoje e não aproveitei tanto como da última vez que voltei à Buenos Aires, em 2012. Aí sim, fui mais a fundo nas visitas a lugares super interessantes. Hoje em dia, a única coisa que não gosto da Argentina são as frentes frias que costumam sempre vir por esse trajeto. O país é maravilhoso. Vinho, carne e locais sensacionais, além de achar os argentinos bem acolhedores.
Lembro-me, por causa da minha mãe, de ter ido à feira de San Telmo, além de La Boca e a cidade de La Plata. Mas o que eu queria era passear com a molecada, de forma independente. Liberdade desejada por qualquer adolescente.

Na noite do terceiro dia, pegamos o voo para Bariloche. Até hoje, nunca voei com tanta turbulência. Imagina o que isso significa no seu segundo voo da sua vida. A empresa aérea era a Austral, totalmente desconhecida por mim naquela época. O avião teve quedas enormes de altitude. Copos estourando no teto e molhando todo mundo com Coca-Cola. Aeromoças caindo no chão e sobre os passageiros. Tudo isso durante um voo noturno, deu para imaginar? Minha mãe apavorada sofria e rezava. Até hoje ela tem muito medo de aviões, embora tenha viajado meio mundo na sua vida. Eu nunca tive medo de estar em avião. Acho um lugar super seguro, mas nessa viagem senti o estômago sair pela boca com as quedas de altitude. Tinha que tentar acalmar minha mãe, sentada ao meu lado. Mas calmaria mesmo, só quando o avião aterrissou.

Chegamos a Bariloche à noite e saímos para jantar. Aproveitamos para passear pelas redondezas. Um frio do cão, e eu com meu casaco básico, e de tênis. Era o único sapato que eu havia levado. Naquela época eu só tinha tênis mesmo, com exceção do sapato do colégio. Ah, tinha conseguido um gorro. Lembro-me de ter ido ver jogo de hóquei no gelo num rink de patinação existente próximo ao hotel. De forma magnífica, naquela noite nevava, para delírio de todo o grupo. Realmente, era muito linda a sensação da neve caindo, ao vivo. Mas, depois de algum tempo, o frio, as roupas molhadas e as boladas de neve que um arremessava no outro, me fez sentir saudades de estar nas areias escaldantes da praia do Leblon.
Fizemos os passeios tradicionais que Bariloche oferece aos seus turistas, principalmente, porque os dias eram lindos. Muito sol, mas frio. Durante as noites ficávamos pelo centro da cidade, perto do hotel, num gelo absurdo. Fomos ao Cerro Catedral, passeios nas montanhas, no lago e, em especial, à Ilha Victoria, um dos lugares mais lindos que conheci até hoje, com um frio fenomenal. O dia que mais esquentou meus pés foi quando fomos esquiar. Eu aluguei as botas especiais. Lembro-me que meus pés viviam enrolados em jornais porque o tênis não protegia suficientemente para mantê-los aquecidos. Nesse dia do passeio na Ilha, os tênis ficaram totalmente molhados pela neve. Eu descobri o que era realmente sentir frio. Mesmo assim, nada me deixava parado, querendo conhecer tudo. Essa ilha, com o lago de um azul turquesa, realmente é um lugar lindo demais.

Um dos amigos de viagem, na primeira descida de ski no Cerro Catedral, fraturou a tíbia e passou o resto do passeio de gesso e sem poder pisar. Muito azar, mas muito comum para quem não tem hábito desse esporte. Os centros de ortopedia existem em quase todas as áreas de ski pelo mundo, tal a quantidade de acidentados, ainda que com experiência. Um fato muito engraçado ocorrido nessa viagem aconteceu também no Cerro Catedral. Estávamos esquiando, quando um amigo da mesma turma da escola, Dario França, disse ter perdido o passaporte. Fomos a alguns locais que havíamos brincado de guerra com bolas de neve, pelas planícies e também onde havíamos esquiado. De repente, eu achei o passaporte numa das pegadas na neve. Foi realmente um acontecimento ter encontrado. Ganhei, inclusive, alguns chocolates do amigo por tê-lo salvo do problema de estar fora do país, sem passaporte, menor de idade e sem os pais. Mas foi muita sorte mesmo achar um passaporte dentro de uma pegada na neve.

Quando esquiamos pela primeira vez, caíamos com frequência. Atrapalhamos muito as pessoas mais experientes. Era difícil até mesmo subir nas cadeiras do teleférico. Como primeira viagem, confesso que foi algo maravilhoso. Muita liberdade e o gostinho de poder fazer as atividades sem os pais controlando como nas viagens anteriores. Mesmo com minha mãe junto, tinha muita liberdade para ir com o grupo de adolescentes. Sem muitas regras. Foram quase dez dias de muita aventura, e a certeza, do gostinho de quero mais...
Comentários