Saída para o intercâmbio
- ctbretas
- 11 de jun. de 2024
- 17 min de leitura
Atualizado: 17 de jun. de 2024
No mesmo ano em que fui a Argentina, 1975, já havia me inscrito no programa de intercâmbio do Rotary Club e estava escalado para ficar nos Estados Unidos por um ano. Meu pai sempre deu muita força para que os filhos tivessem essa oportunidade e conseguiu mandar todos, cada um na sua época, para essa experiência de viver fora do país, aprender uma língua diferente e criar independência, se possível. Já que eu queria ir, tinha que resolver tudo sozinho, afinal de contas, o estágio de independência já havia começado nos períodos em que não mais viajava com meu pai. Passaporte, solicitação do visto no Consulado, pegar o visto depois de aprovado e todo o resto que envolvesse o intercâmbio.

Um dia, voltando do consulado americano, num “frescão”(como chamavam os ônibus com ar condicionado no Rio), que eram raros naquela época, comecei a conversar com um senhor sentado na poltrona ao lado. Ele ficou impressionado que eu, com apenas quinze anos de idade, estivesse resolvendo tudo sozinho para viajar e ficar um ano inteiro sem minha família. Pra mim isso era natural.
Sempre gostei dessa liberdade e de descobrir coisas novas, ainda que isso implicasse correr alguns riscos. E morar nos EUA era um sonho de criança. Chegando perto da época de viajar a vontade de partir aumentava e a ansiedade também, mesmo depois de descobrir que eu iria para uma cidade chamada Hobbs, no cantinho sudeste do estado do
New Mexico. A cidade era tão pequena que não encontrávamos nem nos mapas
da Barsa (melhor enciclopédia na época). Não existia a facilidade da internet, do Google maps ou mesmo outras informações que facilitassem saber e conhecer algo sobre o
local selecionado. Lembro-me de ter ido ao IBEU (um famoso curso de inglês, em Copacabana) para descobrir onde ficava a cidade. Lá tinha um mapa mais completo. Mais tarde, meu pai trouxe mais informações do consulado americano e foi aí que fiquei sabendo que sairia da praia do Leblon, na cidade do Rio de Janeiro, para uma cidade de vinte e cinco mil habitantes, no meio do deserto do New Mexico, fronteira com o Texas.
Eu que estudava no Colégio Santo Agostinho, também no Leblon, iria para uma cidade que só tinha uma escola de segundo grau. Todos os jovens da cidade entre 15 e 18 anos estudavam na mesma escola. Na realidade, o número de habitantes de Hobbs era menor do que os que frequentavam a minha praia no Leblon.
Uma das maiores preocupações do meu pai era a viagem até meu destino final. Sairia do Rio e faria escalas em Miami e Dallas (na época o maior aeroporto do mundo). Não só por ter seu filho viajando sozinho aos quinze anos, mas também porque eu não falava nada de inglês. Ele temia que eu pudesse não chegar ao destino. Ao contrário dele, essa possibilidade nunca passou pela minha cabeça. Eu sempre imagino as coisas boas e nunca os riscos que elas podem trazer.
No dia marcado, em meados de janeiro de 1976, lá estava eu no antigo aeroporto do Galeão. Terno e gravata, como meu pai supunha que eu deveria viajar, já que estaria me apresentando à outra família. Formalidade típica do Brêtas (assim eu o chamava). A única coisa que ele não conseguiu foi cortar meu cabelo e lá fui eu com eles longos, meio com cara de argentino. Logo que entrei no avião tirei a gravata. Jeito Caio de ser. A viagem transcorreu normalmente apesar da inexperiência já me trazer problemas. Como era prevista pra muito cedo, seis horas da manhã, o momento de chegada a Miami, recusei o café da manhã, oferecido de madrugada, no avião.
O café da manhã da Varig (antiga maior empresa aérea brasileira) era um banquete pra qualquer passageiro. Assim que o avião desceu em território americano, mesmo sem estar parado no finger, o piloto simplesmente anunciou pelo alto falante: atenção Sr. Caio Brêtas, sua conexão está prestes a decolar e precisamos que o Sr se apresente o mais rápido possível na frente da aeronave logo que aterrissarmos. Acrescentou: uma funcionária da empresa irá acompanhá-lo até o embarque do seu próximo voo. Favor demais passageiros liberem a passagem pelo corredor. Eles sabiam que eu era uma criança e não poderia perder o voo para não me complicar. Todos esperando o Sr. Caio Brêtas se levantar. E aí levanta um pirralho de 15 anos, entrando na puberdade e pedindo licença pra não se atrasar. Ninguém acreditava que aquele moleque estava viajando sozinho e pior, sequer imaginavam que não falava uma palavra em inglês.
Assim que sai do avião da Varig a aeromoça me entregou à uma funcionária do aeroporto alertando que eu deveria ir rápido embarcar na conexão da Braniff (empresa também das antigas e não mais existente hoje em dia). Escrever sobre o passado é assustador por que muitas coisas e lugares não existem mais. E isso dá uma ideia de um passado longínquo… Sentei na primeira fila do avião e a tripulação já tinha sido informada que eu ainda embarcaria em uma nova conexão na empresa Texas Internacional, assim que chegássemos a Dallas. Nesse voo me ocorreu um problema gravíssimo. Como não entendia nada de inglês e, novamente por inexperiência, não sabia se o café da manhã era pago. Para evitar prováveis dificuldades de comunicação com a aeromoça, recusei tudo que ela me ofereceu. Fiquei sem comer nada e morrendo de fome. Estava voando há quase 12 horas, e a fome apertava. Mesmo assim segurei a onda durante todo esse voo.
Ao chegar a Dallas, uma atendente me pegou na porta do avião falando em espanhol, um português enrolado para mim. Me colocou num metrô dizendo para que eu desembarcasse no terminal da empresa do meu próximo voo. Isso eu até sabia. Teria que mudar de terminal. Mas, sem saber o que era falado no auto falante do trenzinho, me senti perdido. E isso não estava no meu script. O trenzinho passava pelos terminais e parava para que passageiros saíssem e outros entrassem. Finalmente vi o nome da Texas International, que virou a atual empresa Continental, na parada seguinte. Pulei fora do trem e daí sim, me deu um vazio. Chegar eu cheguei, mas pra onde eu ir? Era o terminal da empresa, mas também de outras. Muitos passageiros circulando e eu ali na porta, sem saber pra onde deveria me encaminhar. Qual seria o balcão do check-in?
Tirei do bolso uma carta que havia trazido do Brasil informando que eu era analfabeto em inglês e explicando para onde eu precisava ir. Coisas nas quais meu pai sempre pensava. Puro bom senso; se e eu não falava inglês alguém poderia me ajudar lendo a carta. Foi ótimo, funcionou. Um homem resolveu ajudar e me levou até o balcão da empresa. Depois, por gestos, pediu para eu ficar sentado no banco em frente aguardando. Olhava para o relógio de parede do aeroporto e via que o tempo passava e eu continuava no mesmo banco, sentado, junto com a minha mala de mão. Quando faltavam quinze minutos para o meu voo sair, tomei uma iniciativa. Voltei ao balcão com a mesma carta e com a passagem na mão. Percebi uma agitação enorme. O funcionário havia se esquecido de mim !!! Telefonema rápido para alguém. Sinal para eu ir correndo pelo corredor. E eu “entendendo tudo” … Não entendia nada que falavam, mesmo quando tentavam algumas frases num espanhol enrolado.
Ao chegar numa barreira policial, me seguraram. Não haviam sido avisados que eu estava chegando ao local correndo pelo corredor. Entreguei a carta novamente. O policial telefonou para outro setor e me embarcaram, numa kombi, porque o avião já estava na pista. Fui o último, no último minuto. Vale lembrar que esse era o único voo diário para a minha cidade, ou seja, se eu o perdesse teria que ficar no mesmo banco que sentei em frente ao balcão da companhia por 24 horas, esperando pelo vôo do dia seguinte. E a fome continuaria. Mesmo com esses contratempos, eu continuava seguindo, sem saber como, mas sabia pra onde. Tinha o nome da cidade meta, meu destino final. Para a minha surpresa, embarquei num avião com capacidade pra trinta pessoas (pequeno para um iniciante), nesse meu voo entre Dallas e Hobbs e que ainda teria duas escalas. Descobri as escalas quando fui surpreendido ao ver o avião aterrissando de repente. Mostrei a passagem para a aeromoça (a única funcionária de bordo existente) que, por gestos, sempre me mandava ficar sentado.
As cidades das escalas eram pequenas e eu não sabia se deveria descer ou não. O avião parou em locais onde eu não conseguia ver o nome do aeroporto, criando a expectativa de ser Hobbs. Foram paradas em San Angelo e Midland, ambas cidades no Texas. Como eu não entendia nada do que era falado, também não sabia quantas paradas ainda teria até o destino final. Imagino ter sido anunciado pelo piloto ou mesmo pela aeromoça na tentativa de nos comunicarmos, mas sem sucesso. O pior de tudo é que eu continuava com fome, muita fome. Quando finalmente cheguei a Hobbs, o aeroporto era uma casa no
meio do nada. Fui recebido pelo responsável do Rotary e pelo meu primeiro pai americano, Salvador Armendariz, um descendente de mexicanos, o que facilitou nosso entendimento. Descobriram que eu estava morrendo de fome e me levaram pra comer antes de ir pra casa. Já eram quase dezesseis horas voando e só o jantar entre Rio e Miami.
Como a minha intenção é a de apenas contar sobre viagens, não vou relatar os sufocos naturais pelos quais passei na adaptação à cidade, colégio e famílias. Tudo muito pela falta de conhecimento da língua, mas sem sombra de dúvidas, experimentei momentos
mágicos. O Rotary Club tinha uma rotina de fazer encontros entre os intercambistas de tempos em tempos, principalmente para os que viviam no mesmo Distrito. Éramos quatro brasileiros num grupo de vinte intercambistas, divididos entre New Mexico, o sudoeste do Texas, e o leste de Arizona, sendo que somente eu estava chegando em janeiro. Todos os outros brasileiros tinham chegado em julho passado e, por isso, já falavam inglês com desenvoltura. Os demais eram alemães, austríacos, australianos, japoneses e neozelandeses, portanto já dominavam o inglês, muitos até como língua pátria e outros pelo tempo já vivido no intercâmbio. No primeiro encontro, cerca de 20 dias depois de eu ter chegado, fomos a um meeting em Carlsbad.
Éramos cerca de quinze estudantes estrangeiros nesse encontro. Só eu de brasileiro (alguns estudantes não puderam ir). A High School de Carlsbad era uma grande rival, no esporte. E eu em pouco tempo já tinha essa noção. Nos encontros, sempre passávamos de sexta a domingo, além de conhecer os pontos turísticos, íamos ao ginásio da escola. Seriamos apresentados aos alunos, como se fôssemos bichos exóticos e com as arquibancadas do ginásio lotadas. À noite sempre tinha uma festa dançante na própria escola. Tudo corria bem. Aqueles que tocavam algum instrumento ou cantassem poderiam se apresentar. Se quisessem contar alguma piada também era possível. Tinha um australiano hilário no grupo que podia fazer até um show particular de stand up. Como eu não falava nada de inglês me orientaram apenas a me apresentar, ou seja, falar meu nome, de onde eu era e em qual cidade eu fazia o intercâmbio.
Sempre muito gaiato, comecei arriscando no meu precário inglês: my name is Caio Brêtas, I'm from Brazil and staying in Hobbs. Daí eu gritei em seguida “Go Eagles, Go”!!! “Eagles” era esse o grito de guerra da minha escola em Hobbs. Tomei a maior vaia da história e todos riram demais pela minha coragem de falar sobre o maior rival deles, em pleno ginásio de Carlsbad. Pelo menos fiquei famoso e o mais popular do evento, mesmo sem falar a língua.

Na festa à noite só dava eu. O fato repercutiu até na minha escola e recebi muitos elogios pela coragem de invadir o terreno adversário de Carlsbad. Os alunos levam a sério essa rivalidade entre as escolas. Semanas mais tarde, houve outro encontro na cidade de Pecos, no Texas. Não era tão longe se fossemos de carro, mas de ônibus, do tipo parador, seria uma viagem de mais de seis horas. Um membro do Rotary sabendo do encontro, perguntou ao meu pai, Armendariz, se eu queria ir de avião com ele, já que era piloto e iria a outra cidade. A tal de Pecos estava na sua rota e ele poderia me deixar lá. Depois do meu aceite, e com a facilidade de poder ir de avião, estava tudo combinado.
Dia marcado, no pequeno aeroporto da cidade de Hobbs, às sete horas da manhã. Um dia nublado e frio de inverno, mês de fevereiro. E então eis que surge o piloto que conheci
naquela hora. Muito simpático. Falou com meu pai e mostrou o avião que iríamos viajar. Eu ri, meu pai se preocupou. Era um bimotor, que só cabia o piloto e o co-piloto, no caso eu. E pior, tinha uma hélice na frente e outra atrás. Nunca tinha visto nada igual. Mesmo assim eu fui. O avião, depois de levantar voo, muitas vezes ficava de lado ou inclinava lateralmente por causa do vento.
Não passávamos de uns quinhentos metros de altitude. A visão era maravilhosa com o deserto visto de cima ao amanhecer. Na hora que o piloto resolveu abrir o mapa eu percebi o rolo em que tinha me metido. O mapa aberto não cabia dentro da cabine. Acabei chegando bem, sem enjoar e ganhando um bom tempo de estrada. A volta também foi de carona, mas de carro. Várias outras viagens foram acontecendo e eu, embora não fosse normal deixarem os intercambistas tão livres, ía a todas as reuniões, jogos da escola e até mesmo encontros das igrejas. Sempre com o aval das famílias que me receberam. Tinha tirado o ano para aprender inglês e me distrair. Essa era a minha meta e isso foi compreendido pelas famílias pelas quais passei.
Se fosse pra ficar estudando teria ficado no Rio de Janeiro. Depois que entrei para a equipe de natação e para a equipe do Junior Varsity de basquete da escola, as viagens passaram a ser todas as semanas. No verão, os intercambistas de vários Distritos se reuniam para uma viagem ao redor dos EUA. Uma viagem tradicional do Rotary Club. Saindo de New York, passando pelo norte até chegar à Califórnia, seguindo pelo sul até New Orleans e depois subindo até New York novamente. Infelizmente, meu pai não tinha como pagar tal viagem. O sacrifício para me proporcionar o intercambio já havia sido grande. Em contato com integrantes do Rotary, minha mãe da segunda família, Kethelyn Ross, organizou (ela sempre super organizada), que eu pegasse o ônibus quando ele passasse pelo New Mexico, e assim eu conseguiria fazer a metade final da viagem. Tudo organizado, dinheiro contado (quanto poderia gastar por dia até chegar ao final da viagem) para pagar a maioria das refeições e incluir o custo da passagem para voltar pra casa. Um luxo para a minha situação financeira. Tudo pronto.
No dia determinado, estava eu em Carslbad e, depois de me despedir da família, o organizador me comunica que eu deveria pagar sua passagem do ônibus. Envelope separado com o dinheiro. Resolvido. De repente, ele me avisa que os hotéis nas paradas seriam à parte, e de minha responsabilidade. Imaginem a minha cara de paisagem sabendo que seria inviável pagar qualquer coisa extra ou além das contas feitas pela minha família americana. Nem se eu ficasse sem comer todos os dias daria para pagar pelos pernoites nos hotéis. Mesmo assim, entrei no ônibus. Eram quatro ônibus no total, com mais de cento e cinquenta estudantes entre dezesseis e dezoito anos, ou seja, uma viagem imperdível, mesmo correndo risco e não ter lugar para dormir.

Já comecei fazendo contatos com os brasileiros do grupo, depois de ser designado para um dos ônibus. Permaneceria no mesmo grupo durante toda a viagem. Como solução para a minha falta de grana dos hotéis, pensei que, em último caso, dormiria dentro do ônibus. Antes, porém, tentaria dormir no quarto de alguns amigos, escondido. Como meu nome entrou na listagem dos estudantes do ônibus, a responsável pelo grupo acabou por me incluir também na divisão dos ocupantes dos quartos.
A cada noite novos grupos eram formados nos hotéis para que todos convivessem e se socializassem. E, assim, eu acabei sendo colocado nas divisões dos quartos, naturalmente. Conclusão, dormi todos os dias, sem pagar um centavo a mais. Uma viagem maravilhosa, passando por San Antônio, Houston, New Orleans, Nashiville, Richmond na Virgínia, Washington D.C. e Philadelphia. Muitos acontecimentos, visitas e conhecimentos.
Mas a diversão era o lema dos estudantes. Me lembro muito de San Antônio, com o passeio pelo walk river e os Álamos, espetaculares. New Orleans foi um sonho. Bares, ruas festivas e com todos estudantes circulando pelos quarteirões do French Quartier. Durante essa viagem, apenas nessa cidade, fomos liberados para voltar para o hotel livremente, sem horário de recolhimento. Imaginem o que aconteceu nos dois dias que dormimos por lá? Outro lugar muito divertido foi Nashiville. Muita música country e um parque de diversão fantástico, chamado Opryland. Após a festa de encerramento em Washington D.C., fizemos vários passeios pelos monumentos além de uma visita especial ao Congresso. Por sermos intercambistas, cada ônibus iria para o seu ponto final. A festa de encerramento foi sensacional e sem hora para acabar. Muita comida e banda ao vivo.
No dia seguinte, redividiram os grupos dos ônibus de acordo com a cidade onde cada um terminaria sua viagem. Como a minha passagem aérea era da Philadelphia para Dallas, onde minha família iria me pegar, fui colocado no ônibus que iria para New York. Mas eu ficaria pelo caminho, sozinho, já que só eu pegaria o voo naquela cidade.

Os ônibus foram para New York, Boston, Connecticut e Pittsburgh. Sempre com emoção. Saindo de Washington, passei por Baltimore. Assim que o ônibus cruzou pelo centro da cidade da Philadelphia, de mala e cuia, eu desci do ônibus e comecei a andar. Só pegaria o avião no começo da noite, então resolvi deixar a mala no guarda volumes de um hotel no centro da cidade e comecei a passear sozinho pelo centro histórico. Conheci monumentos e praças, era verão e o calor predominava. O centro é bastante histórico por ter sido um local de importância na Revolução Americana. No hotel, havia conseguido um mapa. Adoro mapas. Vaguei pelas ruas, curioso, descobrindo os monumentos e segredos de downtown. Me lembro muito bem que era época das Olimpíadas de Montreal, 1976. Ficou na memória, ver que a Iugoslávia, para minha surpresa, havia ganho a medalha de ouro contra os americanos no basquete masculino.
Era uma situação diferente, eu, bem novo, com 15 anos, sozinho num local totalmente estranho. No final do dia, depois de entrar em igrejas, monumentos e museus do centro da Philadelphia, peguei a bagagem no hall do hotel e fui de táxi para o aeroporto. Ao descer em Dallas, fui recebido pela família, e tive outra boa notícia. Um amigo deles havia me convidado para viajar, totalmente free. Fiquei por dois dias em Dallas e parti para outra viagem indo para Cancun, no México, já que os americanos passavam, com frequência, o verão nessa região. Até hoje me lembro bem da cidade de Merida, Chichen Itsa, Yucatán e a cidade de Cancun, na época ainda no princípio do projeto de se tornar um polo turístico e com pouquíssimos hotéis. Estávamos em agosto de 1976. Já existiam passeios a Cozumel e Praia del Carmem, mas tudo ainda muito precário.
No México era impressionante as comparações com o Brasil, sempre com vantagens predominando para o lado deles, em quase todas as notícias de jornal. Só no futebol eles aceitavam a nossa superioridade. Ao mesmo tempo, adoravam os brasileiros e fui muito bem tratado, mesmo estando junto com vários americanos, que gastavam muito mais do que eu.
Outras viagens de encontro de intercambistas e através do esporte ocorreram com a sequência dos meses, mas tive uma muito especial. Sempre pela dificuldade, já que todas sempre somavam muito na minha formação e crescimento pessoal. Era uma reunião marcada na High Scholl em Artesia, no New Mexico, e não tinha ônibus direto para aquela cidade que ficava a cerca de três horas da minha. No dia marcado, uma quinta feira, para o encontro na escola que ocorreria na sexta, despencou uma tempestade de neve muito forte. Minha mãe ainda perguntou se eu realmente queria ir, por causa do frio extremo e pela possibilidade de fechamento de estradas. Mas eu já tinha combinado e estava animado, como sempre. Peguei minha mochila e pé na estrada. O ônibus em Hobbs partiu na hora certa, às sete horas da manhã, mesmo já com bastante neve na estrada.
Ao chegar em Carlsbad informaram que o ônibus da minha conexão estava atrasado por causa da nevasca em Phoenix, Arizona. Bom, só pra vocês entenderem, o atraso foi de doze horas. E eu numa estação de ônibus com dez cadeiras, um guichê, uma máquina de Coca-Cola e outra de snacks. Ainda bem que tinha banheiro.

O tempo não passava e cada hora mais neve caía, subindo o nível visto através dos vidros da estação. Cada hora que se passava, menos carros circulavam pela rua. Quando chegou o ônibus, fiquei aliviado, mas não era para tanto. O perigo na estrada permanecia enorme. O motorista, muitas vezes, teve que parar. Foram mais quatro horas de viagem. Cheguei à cidade depois de dezesseis horas contadas desde a saída de casa. A viagem deveria demorar apenas três, mas cheguei. Na rodoviária da cidade (a menor de todas que conheci, parecia uma sala de escritório), não tinha ninguém me esperando. Chegaram três estudantes do Student Council, escola responsável pelo evento e demonstraram estar aliviados por eu ter conseguido chegar são e salvo. Comentaram que estavam acompanhando com a empresa os horários pelo telefone. Me informaram que só eu tinha conseguido chegar e, por isso, o evento estava cancelado. Mesmo assim fiquei lá os dois dias combinados, indo à escola e na excelente e animada festa de sexta à noite.
Voltei já com a estrada e os horário dos ônibus regularizados. Por ter sido o único a conseguir chegar, ganhei mais notoriedade entre os intercambistas que desistiram da viagem, além de ser considerado super corajoso. O mais engraçado foi que a festa que era para homenagear todos os estrangeiros acabou conhecida como a festa do Caio. Em uma outra viagem com o grupo para Claudcroft (fui algumas vezes nessa cidade, nas montanhas do New Mexico), estávamos aproveitando a neve fazendo tubing, ou seja, descendo a montanha em câmaras de tratores, bem grandes. Pra se ter uma ideia, juntávamos três câmaras e descíamos quase dez pessoas juntas, como se fosse um trem.
Numa dessas decidas eu era o último do trem. Pegamos tanta velocidade que ultrapassamos a parte do gelo e alcançamos a grama, deslizando mais ainda e ganhando mais velocidade.
O fim vocês já sabem né? Todo mundo se esparramou, um por cima do outro, e o resultado foi: uma fratura de clavícula em um amigo, e eu uma concussão cerebral. Fiquei desacordado por alguns poucos segundos. No hospital de outra cidade, já que Cloudcroft não tinha nada para atendimento desse tipo. Fui avaliado e informado que deveria ficar em observação durante toda a noite, só retornando ao hospital, em caso de novo desmaio ou vômitos. Deveria evitar dormir para não perder algum sinal de modificação de comportamento.

Imagina eu ter que ser acordado a cada duas horas para uma avaliação, com o sono pesado que eu tenho? Seria levado de volta para o hospital na mesma hora. Então, um australiano teve uma ideia sensacional: como o Caio não pode dormir, vamos procurar ursos negros nas montanhas durante a noite. Foi uma farra. Andamos entre as árvores numa noite super iluminada pela lua, muito bonita e com neve. Só me cansei porque exceto por alguns veados e barulhos de pássaros, nenhum urso foi encontrado. Não sei se para o bem ou para o mal da minha noitada. Ainda tive umas viagens complexas para Santa Fé, Albuquerque, Monahans, Carlsbad e Ruidozo, tudo no New Mexico, mas nada como o encontro em Moriarty.
Nem o nome era fácil de se falar. Cidade mínima, mas tinha uma ex intercambista que havia morado no Brasil e acabou sendo interessante. É uma cidade pequena, na época com cinco mil habitantes, bem rural, e portanto, muita animação com country music, fogueiras, fazendas e comidas típicas. Vale lembrar que essa pequena cidade é uma das ótimas paradas da Route 66, e tem montanhas e trilhas maravilhosas. A festa rolou numa fazenda.
Na época de voltar para o Brasil, tinha vontade de conhecer Miami e Orlando e ir à Disney. Brasileiro passando pela Flórida sem visitar essas cidades seria um desaforo.

Enquanto esperava a hora do voo de volta, comecei a conversar com as famílias e com os membros do Rotary na tentativa de conseguir uma hospedagem nesses locais. Acabei conseguindo local. Começava uma nova aventura. O mais incrível foi que no vôo entre Dallas e Miami eu estava sentado na janela e a poltrona ao lado estava vazia. Pensei que viajaria bem espalhado nos assentos porque já estava em cima da hora da decolagem. No último momento, chegou o passageiro da poltrona. Era um brasileiro meu amigo, o Zé, intercambista paulista de Lins, que também estava voltando para a casa naquele dia. Nos encontramos várias vezes durante o ano. Ele também morava no New México e, em muitas reuniões, estivemos juntos. Me lembro que ele sempre brincava com a situação de ter sido enganado pela sua ignorância. Quando descobriu que iria fazer intercâmbio em Las Vegas e depois ficou sabendo que era a Las Vegas do estado do New México e não a de Nevada, que é a famosa pelos cassinos e festas de arromba.
A que ele morou tinha apenas nove mil habitantes. Muita coincidência termos feito intercâmbio no mesmo Distrito e voltarmos no mesmo vôo, e em cadeiras conjugadas. Consegui uma estadia pelo Rotary num alojamento da University of Miami, em Coral Gables, o que foi ótimo porque havia locais para alimentação, piscina e recreação para os universitários. Isso facilitou bastante a minha adaptação no local. Uma pessoa do Rotary me pegou no aeroporto e eu fiquei dois dias passeando pela cidade. Depois me pegou pra levar à rodoviária, quando então parti para Orlando.
Na viagem para a terra dos parques de diversão eu ficaria na casa de um pastor, amigo de uma das famílias que morei em Hobbs. A filha desse pastor trabalhava na Disney e assim, eu teria carona para ir e voltar. Na verdade, foi uma decepção enorme, não pela estadia, que foi maravilhosa, mas porque entrei dois dias pelos fundos do parque e conheci o Mickey, a Minnie, o Pateta, Donald e os outros sem as cabeças das fantasias e pelos nomes das pessoas que faziam os personagens. Vale lembrar que ainda não era chineses. Mesmo assim valeu, afinal de contas, ela me deu dois dias de ingressos para os parques e outras atrações, além da carona para ir e voltar para casa.

Depois desse período voltei para Miami para pegar o voo de volta. Ao descer no Galeão ainda tive o desprazer da minha caixa da bagagem ter rasgado e fui obrigado a catar cada peça individualmente na esteira e colocar no carrinho de malas. O bom é que vários amigos e a família estavam na porta do aeroporto à minha espera, depois de um ano.





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