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Sozinho do deserto

  • ctbretas
  • 1 de ago. de 2024
  • 9 min de leitura

Tudo começou com o sonho de ir ao POSNA (Pediatric Orthopaedic

Society of North American), o Congresso Americano de Ortopedia

Infantil. Depois de fazer minha especialização num dos melhores

hospitais de ortopedia infantil do mundo, em Chicago, nada mais

natural do que querer conhecer o maior congresso da

especialidade. Claro que o investimento valeria a pena, desde que

fosse num local que me despertasse interesse, associando a

curiosidade técnica ao turismo. Aconteceu em 1996, quando a sede

estabelecida era a cidade de Phoenix, Arizona.

Primeiro, por ser um lugar típico do deserto americano (o que

sempre me entusiasmou desde que morei no New Mexico), depois,

porque teria a chance de realizar o sonho de conhecer o

Grand Canyon.

Na época que morei em Hobbs, NM (conforme meu relato em

histórias anteriores), não consegui chegar ao Arizona, embora

fosse estado limite com o New Mexico. Sempre minhas viagens

eram para o norte ou para o leste.

Num congresso apenas de ortopedia pediátrica, pouquíssimos

brasileiros estavam inscritos. Prá falar a verdade, éramos apenas

cinco. Como não tinha contato frequente com eles, nem sabia que

iriam ao evento. Acabei organizando a viagem sozinho, como quase

sempre acontecia. Nessa época não havia a internet com sites de

viagem para uma programação mais apurada, como faço hoje em

dia.

ree

Nunca me preocupou viajar sozinho, embora seja muito diferente de

fazer uma viagem com companhia. Mas eu curto estar comigo

mesmo e, com tantos lugares prá conhecer, a minha animação era

certa. Outra vantagem é que se fica mais para bater papo, se juntar

a novos grupos para passeios e só fazer o que realmente tiver

vontade.

Como de costume, o hotel do evento em South Mountains Park, era

um resort caríssimo com diárias de $400, impraticável para meu

bolso e minhas características. Instalações maravilhosas, piscinas

lindas e até campo de golfe. Pesquisando pelos mapas da vida,

decidi ficar ao lado do campus da Arizona State University, no

distrito de Tempe. Essa sim foi uma grande jogada pois consegui

hotel barato, e estava no centro universitário onde existiam todos os

tipos de restaurantes, boites, bares, festas e jogos. Ainda mais,

eram dezenas de jovens por todos os lados, o que garantia alegria

em todos os momentos. Realmente, foi uma grande sacada ficar

num campus universitário americano.

Depois de uma longa viagem, Rio-Miami-Los Angeles-Phoenix, saí

do aeroporto já com o meu carro alugado, outro ponto a favor, afinal

de contas, fui o único brasileiro hospedado fora do resort. Muitos

congressos americanos geralmente começam cedo e terminam

às 13:30h para que as pessoas possam aproveitar e passear nas

cidades dos eventos ou mesmo ficar com a família aproveitando os

maravilhosos hotéis e suas atrações. Com o carro, além de poder

conhecer a região toda, eu garanti minha viagem ao Grand Canyon,

no final do evento.

Logo que cheguei à cidade, abri o mapa e achei o trajeto para

chegar ao hotel, dois dias antes do início do congresso. Depois de

me acomodar, resolvi dar uma corridinha de 5 km para soltar a

musculatura da longa viagem e saí no meu ritmo normal (nessa

época corria e fazia triathlon). Eu me sentia cheio de energia. Só

não esperava que a umidade relativa do ar fosse tão baixa. No meio

da corrida, passei muito mal, com falta de ar e um cansaço absurdo,

o que me obrigou a parar de correr e ir caminhando devagarinho, de

volta para o hotel. Só me restou ficar na piscina, já que o sol estava

infernal naquele deserto, mesmo que já fosse final de tarde. À noite

o calor diminuiu bastante e foi muito prazeroso andar pelo campus

da universidade. Muitos bares, restaurantes e clubes lotados.

ree

No dia seguinte, fiz um passeio de carro conhecendo downtown e

alguns lugares pitorescos da cidade, em especial, o ginásio em que

o Phoenix Suns, equipe de basquete da NBA, mandava seus jogos.

Tive a ideia maravilhosa de ir ao Jardim Botânico, adoro os vários

tipos de cactos, que conhecia apenas por fotos. O Jardim Botânico

era maravilhoso com plantas desérticas lindas e inimagináveis. E eu

fotografando e adorando o passeio. Sob um sol escaldante. Cada

alameda mais linda do que a outra e o show de variedades de

cactos era imenso. Mas, de repente, quando entrei por uma

viela, eis que surge uma cobra bem cruzando a minha

rota. Congelei e me senti taquicárdico... Eu perplexo e paralisado e

ela nem se incomodando comigo continuava seu passeio,

tranquilamente. Deu uma paradinha no meio da ruela, diminuindo a

distância entre nós. Assim que ela entrou pelo canteiro, zarpei em

velocidade e, quando reparei, já estava dentro do carro. Só lá

comecei a rir sem parar do susto que passei.

Phoenix é uma cidade interessante, mas muito seca e quente, por

isso, passear durante o período de sol é complicado. As ruas ficam

vazias e os shoppings lotados. Tem poucos cruzamentos nas

grandes vias o que evita sinais em demasia e trânsito lento.

Foi lá também que vi pela primeira vez os baforadores de água nas

calçadas, tentativa de dar uma refrescada e umedecer o ar nos que

passam andando. Inclusive, nos bares e restaurantes, encontramos

vários, sendo o mais interessante que a água evapora antes de

chegar ao chão. Puta calor mesmo.

No dia da abertura do congresso estava eu lá, naquele hotel

pomposo para tomar o café da manhã. Leitura e discussão de

trabalhos, já incluídos na inscrição. Local e comida maravilhosos e

a nata da ortopedia infantil mundial presente. Tudo fantástico. No

final do primeiro dia, fomos convidados para a festa de boas-vindas

que seria no resort, em tendas enormes armadas nos jardins. Foi a

melhor comida mexicana que já comi na vida. Tinha de tudo,

inclusive música ao vivo de muita qualidade. Uma tarde-noite

agradabilíssima. Apenas, depois, a dificuldade de voltar para o meu

hotel, a alguns quilômetros de distância. Gostaria de ter

permanecido naquele paraíso de resort, ao pé das lindas

montanhas. Nesse dia, à noite, nem fui dar um passeio pelo

campus. Estava exausto.

ree

Na manhã seguinte, mais discussões de ortopedia pediátrica e o

aviso de um jantar com visitação ao Heard Museum of Native

Cultures and Art, de obras e trabalhos indígenas. Local maravilhoso

e, novamente, um jantar impecável, só que dessa vez, com comidas

indígenas, características da região. Depois, como só eu tinha

carro, levei os brasileiros para o Hard Rock Café, na época um dos

lugares mais badalados e recém inaugurada em Phoenix.

No encerramento do congresso, convidei os brasileiros para irmos

juntos ao Grand Canyon, mas, infelizmente, já tinham passagens

marcadas de retorno.

No último dia, após o congresso e ainda no período da tarde, fui

visitar Scottsdale, um distrito de alta classe, com lojas maravilhosas.

A Main Street e a Old Town tinham características de faroeste.

Muito interessantes. Valeu a visita, encerrada com um jogo de

baseball, de uma divisão intermediária dos EUA. Eu estava

andando na frente do estádio, procurando informações sobre o jogo

e a bilheteria, quando um pai com dois filhos se aproximou e

perguntou se eu estava interessado no jogo. Ele tinha um ingresso

sobrando e eu acabei indo de graça ao Ball Park.

No dia seguinte, acordei cedo e comecei a viagem para o

Grand Canyon. Seriam vários quilômetros, sozinho, dirigindo no sol,

mas com uma boa música Country no rádio.

Logo na estrada, vi uma paisagem maravilhosa com muita terra,

vegetação rasteira e cactos de todos as formas e tamanhos. Parava

nas baias da estrada para fotografar tudo. Ao parar para abastecer,

como sempre nas estradas americanas, se sai para uma via

paralela, a fim de não atrapalhar a estrada principal. Achei um posto

bem antigo, uma casinha básica com a tradicional máquina de

Pepsi, apenas uma bomba de combustível e sem nenhuma marca

de gasolina importante. Era quase um casebre. Um velhinho saiu da

casa quase se arrastando e querendo ajudar. Muito comédia. Uma

estrada de terra, um posto em fase terminal e o papo do cara era

sobre a quantidade de cobras e ratos que havia ali... Mais uma vez,

elas, as cobras.

Enchi o tanque e continuei subindo a estrada. A paisagem, aos

poucos, foi mudando para umas rochas e florestas totalmente

diferentes da região perto de Pheonix. Visitei o complexo

de Montezuma onde os homens pré-históricos faziam suas

cavernas nas rochas em vários andares. Lugar muito interessante e

bonito com vegetação característica e um lago maravilhoso.

Continuando a viagem, cheguei a Flagstaff.

ree

Cidade pequena, na histórica rota 66, e caminho do Grand Canyon. Dei uma volta pela

cidade e tirei fotos na famosa rota, já que era um dos sonhos que

eu perseguia. Peguei a estrada 180, pela montanha, e o visual era

lindo demais. Avistei o Humphreys Peak, ainda com neve no pico

da montanha. Consegui chegar ao Grand Canyon National Park já

no fim do dia. Ainda tive que correr atrás de hotel, o que é difícil

naquele local, por existir uma procura muito grande de turistas. Só

consegui um quarto para fumantes, mesmo sendo fora de época de

férias. Logo eu que odeio o cheiro de cigarro. Se soubesse que

aconteceria isso, teria ficado em Flagstaff e subiria no dia seguinte

pela manhã bem cedo.

ree

No dia seguinte, tomei meu suco e cheguei logo após a abertura do

parque, passando a visitar o local com muito interesse. Visual de

chorar de emoção tal a beleza dos paredões de pedras e suas

diferentes cores de acordo com o ângulo que o sol alcançava. Lugar

maravilhoso, realmente a beleza natural mais linda que já conheci.

Tentei alguns passeios guiados, como os com grupos de mulas

ou raftings no Rio Colorado, mas, infelizmente, esse tipo de passeio

precisa ser marcado com muita antecedência ou se ter muita sorte

por alguma desistência naquele momento. Não fui tão sortudo

assim e resolvi descer a montanha pelas trilhas até chegar ao rio.

Parei o carro no Grand Canyon Lodge, um hotel maravilhoso que

vale a pena reservar com antecedência para ficar dentro do Canyon

sem ter que sair no final do dia e poder vislumbrar uma vista

panorâmica maravilhosa durante o tempo todo. Comecei a descer

uma trilha que havia ao lado do hotel ... Coisa linda, cheia de

curvas, bastante inclinado com umas partes escorregadias por ser

 

ree

de terra batida. Mas lá ía eu, hipnotizado pelas belezas do lugar,

sem reparar uma coisa que só depois de duas horas andando eu

reparei: teria que voltar, e pior, voltar subindo.

Vários grupos de mulas passaram por mim, só prá me deixar no

gostinho. Parei numa das sedes de descanso. Cabanas bem

estruturadas para ouvir as histórias contadas pelos guias. Fotografei

muito e o engraçado foi que como eu tinha viajado sozinho, levei

um tripé para sair nas fotos. Era hilário armar o tripé, fazer a

composição, apertar o botão e correr prá aparecer na foto. Depois

de duas horas, resolvi voltar pois já estava cansado e não tinha

conseguido chegar até o rio Colorado ainda.

ree

Aí a ficha caiu. Eu tinha descido e agora precisava subir

tudo. Caraca. Comecei a voltar já cansado pois tinha andado muito,

o sol maltratava demais e cada minuto que passava o esforço era

muito maior. Caminhava me arrastando, esgotado e o paredão na

minha frente não diminuía. Só tinha levado água e nada de comida

devido à falta de organização pré passeio. Prá falar a verdade, não

sabia o que iria encontrar nesse passeio. Subia e parava para

descansar com frequência. Por várias vezes, pensei que não

conseguiria chegar. Me arrastava pelo caminho com a certeza de

que havia cometido uma loucura total. E a paisagem continuava

valendo a pena. Consegui chegar ao topo da montanha depois de

muito esforço. Deitei no chão, ao lado do carro tão cansado que

estava totalmente paralisado e esquilos encostaram

em mim, sem medo, certos de que eu era totalmente incapaz de me

movimentar naquele momento. E eu, sem nenhuma condição de

reagir caso eles me mordessem.

ree

Uma coisa é certa, eu ainda vou voltar a esse local.

Recuperei o fôlego, comi, bebi na cantina do hotel e voltei

para Flagstaff, mas pelo outro lado, pela estrada 64, descendo pelo

lado contrário da montanha que percorri na viagem de ida. Parei

ainda para conhecer mirantes maravilhosos e reservas indígenas

onde vendiam artesanatos com roupas tradicionais em cima de

caminhonetes maravilhosas. Total discrepância de ideologia.

Arrumei um hotel de estrada na Rota 66, ao lado de uma casa de

shows de country e passei a noite tomando umas cervejas e vendo

o ritmo daquele local. Música maravilhosa, muita gente alegre e boa

comida.

No dia seguinte, ainda com dores nas pernas de tanto andar nas

montanhas do Grand Canyon, peguei o carro e fui para Sedona, um

parque natural de montanhas vermelhas e muita vegetação, no

caminho de volta para Phoenix.

Durante o caminho, muitas paisagens lindas e uma parada para

alimentação em restaurante country, típico, com a tradicional apple

pie.

Chegando ao aeroporto, consegui um voo antecipado e pousei em

Los Angeles para uma escala de três horas. Pegaria um voo para

Miami e depois sim, voltaria para o Rio de Janeiro. Tudo isso, ainda

com dores nas pernas. Fiz o check-in e esperei o embarque no

enorme aeroporto da cidade californiana. Embarquei e sentei na

janela, dormindo imediatamente, mesmo antes do avião começar a

taxiar pela pista. Acordei depois de algum tempo. Ao olhar pela

janela, percebi que estávamos voando sobre o mar. Estranhei

porque, na realidade, o voo deveria ser sobre o território americano

e nunca sobre o mar. Ao me ver acordando, a menina sentada ao

meu lado sorriu e disse: ainda bem que você acordou. Ri, e

perguntei o que estava acontecendo. Por que estávamos voando

sobre o oceano? Ela afirmou que estávamos voando há quase duas

horas para queimar combustível e voltar a Los Angeles. Problemas

técnicos. Depois disso, aterrissamos numa pista lateral, cheia de

bombeiros, espuma na pista e ambulâncias por todos os lados. 

Pousamos e fomos orientados a trocar o cartão de embarque no

balcão da American Airlines. Com tudo isso, o outro voo saiu bem

atrasado e aconteceu o que eu mais temia. Perdi a conexão para o

Brasil e fui colocado num hotel pela própria empresa. Só pegaria o

voo na noite do dia seguinte. Bom, pelo menos ainda fiquei um dia

passeando por downtown e Bay Side em Miami enquanto esperava

o voo noturno.

 
 
 

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