Viagens enquanto universitário
- ctbretas
- 29 de jul. de 2024
- 17 min de leitura
Como já relatado anteriormente, antes de entrar para a Faculdade de Medicina, fiz uma viagem até o sul do país. Isso serviu de estímulo, para que durante esse período, entre 1979 até 1984, eu corresse atrás de visitar outros tantos lugares com características especiais. A fase da falta de dinheiro permanecia. Faculdade cara, eu mal consegui juntar um pouco que fosse, mas viajar mesmo sem dinheiro é prá quem gosta, e eu adoro…
• Salvador:
No primeiro ano, nas férias de julho, ainda como calouro, fomos em quatro
pessoas, de ônibus para Salvador. Eu, Cardoso, Carlos Renato e Prentice. O
irmão do Prentice tinha um apartamento vazio no bairro de Amaralina. Mas só
o apartamento. Mesmo assim, com sacos de dormir, fomos embora. De ônibus,
embarcamos com muita vontade, afinal de contas, era uma viagem longa. Prá
variar, problemas durante a viagem. O tempo de aproximadamente 18 horas,
provocou discussões, principalmente entre Carlos Renato e uma família,
sentada ao lado dele e bastante barulhenta. Não chegaram as vias de fato,
mas o tumulto foi grande.
O apartamento era bem em frente à praia. Logo nos empolgamos pela
localização, perto do agito da Areia Vermelha e da Pituba. Nem iluminação
tinha e a descarga era um balde que enchíamos no tanque da área. Assim
criamos a estrutura básica de sacos de dormir no chão, divididos entre o quarto
e a sala do apartamento. Prentice decidiu sair para uma primeira vistoria na
região e mais tarde, pela janela, o vimos voltando com meia melancia
equilibrada na mão esquerda. Não foi difícil pensarmos em jogar um balde de
água quando ele passasse na calçada. Melhor ainda, eu acertei na mosca! A
melancia caiu no chão, de cabeça prá baixo, cheia de areia... Quando não se
tem dinheiro, cair de cabeça prá baixo vira regra. Para o primeiro dia era um
ótimo começo. Prentice permaneceu mudo até a hora da noitada, mostrando
estar puto, enquanto nós ríamos de qualquer coisa.
Primeira vez em Salvador, muitos passeios. Em grupo saímos para desbravar
tudo que fosse possível. Usamos ônibus, caronas e muita caminhada. Praias
não faltavam. O Teatro Castro Alves com um show do Caetano Veloso, foi
sorte de principiantes. Pelourinho, Porto, Barra, Itapuã, Morro de São Paulo,
muito agito mesmo.
Como tínhamos um amigo da época de colégio e da praia, Gil Baiano, que vivia
em Salvador com uma tia, imediatamente o grupo cresceu e ele se incorporou
aos nossos passeios, inclusive como guia turístico. A tia de Gil Baiano, em
nossa homenagem, preparou uma feijoada maravilhosa, antes de irmos ao
estádio da Fonte Nova para ver o tradicional Bahia x Vitória. Todos comeram
muito. A feijoada estava verdadeiramente maravilhosa e com todos os
ingredientes. Muita caipirinha de cachaça de acompanhamento. Chegando ao
estádio, um sol escaldante, começamos a chupar canudinhos de cana que
eram vendidos aos montes para aliviar a sede. Sempre com cerveja, é claro.
Naquela época ainda se vendia cerveja nos estádios.
O jogo foi divertido. Mas bem menos do que a torcida. Estávamos no lado da
torcida do Bahia. Só tinha figuraças e rimos muito. Entramos na bagunça,
mesmo com o jogo acabando em 1x1. Ainda saímos para rodar pela Barra
depois do jogo, mas a noite acabou sendo terrível. Os quatro com diarreia
efusiva, apenas um banheiro no apartamento e só o balde cheio d’agua para
servir de descarga. Ninguém conseguiu dormir pelo barulho e movimentação
intensos no apartamento. O mais engraçado foi sabermos que na casa do Gil
também foram acometidos pela diarreia e a tia dele não quis mais nos ver de
tanta vergonha. Ótima temporada em terras baianas. Planejamos nova visita na
época do carnaval.
• Bolívia no Carnaval:
No final do ano de 1979, eu e Cardoso resolvemos radicalizar. Organizamos,
com outros amigos, para irmos passar o carnaval em Salvador. A dificílima
passagem de ônibus já estava comprada. Durante uma conversa, Cardoso,
que estudava informática na PUC e tinha umas amigas bolivianas (ele era
apaixonado por uma delas), me perguntou se eu não queria mudar a rota e ir
para a Bolívia. Comigo tudo era festa. Pouco dinheiro em Salvador ou em
Santa Cruz de La Sierra tanto fazia. Vendemos a passagem pra Bahia na
rodoviária (todos querem ir para Salvador nessa época) e compramos outra,
pela empresa Andorinha, para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Partida
16:00h. Passeamos pela manhã no centro de Campo Grande e depois
pegamos o trem para Corumbá. Chegando na cidade já à noite, conseguimos
um local para dormir e comer, afinal, só sairíamos no dia seguinte para a região
de fronteira.
No dia seguinte, um passeio básico pela cidade de Corumbá e saímos para
Puerto Quijaro, já na Bolívia, para pegarmos o famoso Trem da Morte. Ao
chegar ao local, soubemos que o famoso trem naquele dia, não funcionava e,
dessa forma, teríamos que esperar sua voltar de Santa Cruz da Sierra. Sem
previsão, como sempre. Havia um tal de Litorinea, um trem mais rápido, cerca
de seis horas de viagem, com dois vagões apenas, parecia um metrô, e que
sairia no final do dia. Era a solução. Até porque, como era começo de viagem,
ainda tínhamos dinheiro no bolso. Esperamos a partida sem nada para fazer
numa estação de trem de uma cidade minúscula e perto da fronteira com o
Brasil.
Nos acomodamos na Litorinea e partimos batendo papo com várias pessoas.
Detalhe: só eu e Cardoso éramos brasileiros naquela viagem. De repente, o
trem descarrilhou. Era noite, mas não houve nenhuma catástrofe. Todos
saímos no mato e na escuridão do pantanal e esperamos a chegada do
socorro. Consegui até dormir no teto do vagão por um bom tempo.
Colocado o trem nos trilhos, seguimos viagem e chegamos a Santa Cruz já de
madrugada. Como não tínhamos para onde ir, ficamos num hotel ao lado da
estação de trem que também servia como estação de ônibus. Índios e ciganos
aos montes. O local não inspirava nenhuma segurança. Ao entrar num quarto
coletivo, deparamos com oito camas. Pelo horário avançado, o porteiro pediu
para não acendermos a luz. Achamos nossa cama. Um ronco insuportável
quebrava o silencio. Extremamente alto. Eu que sou conhecido por ser uma
pedra para dormir (basta dizer que já dormi durante uma preliminar no
Maracanã), estava muito contrariado. Cardoso localizou o roncador, pegou um
sapato no pé da cama do famigerado e voltou para a sua cama. Dalí mandou
ver. Uma única sapatada que explodiu no boliviano. O cara acordou possesso
mas só viu a escuridão e ouviu o silencio de todos. Xingou muito mas, pelo
menos, eu dormi antes dele voltar a roncar.
No dia seguinte, partimos para o centro, na praça principal de Santa Cruz. O
caminho foi num ônibus pequeno demais e o Cardoso ainda me vira e fala o
seguinte: tomara que a Meña (sua amada boliviana), esteja na cidade. Eu olhei
prá ele e perguntei: você não combinou nada? Ele só riu...
Como era cedo, começamos a andar pela região e fomos conhecendo o
comércio e os locais interessantes. Comprei um relógio da Cássio (na época
estava começando a chegar no Brasil), de plástico preto e com cronômetro. Eu
era corredor de rua. Lá se foi metade do dinheiro que eu havia levado e nem
sabíamos se arrumaríamos casa para ficar. Na hora do almoço, acabamos
comendo num botequim de rua. A comida era muito barata, só que era cérebro
de vaca à milanesa...
À tarde, fomos no endereço onde era a casa da menina e achamos. Ela quase
não acreditou, já que não haviam marcado nada. A viagem não foi útil para a
conquista de Cardoso. Surpresa, mas muito simpática, a bela boliviana
arrumou um local para pernoitarmos durante o tempo que ficaríamos por lá.
Arrumou a casa de um amigo que estava sendo alugada e, com isso, não
precisaríamos pagar hotel. Foi um alívio porque o relógio que eu havia
comprado me subtraiu qualquer possibilidade de pagar por hospedagem. Só
que tivemos um problema: a casa era grande, dois andares e, por estarem
anunciando o aluguel por alguns dias, corretores levavam clientes muito cedo
para conhecer o imóvel. E nós ainda estávamos dormindo. Como tinham a
chave, entravam e mostravam a casa, inclusive o nossos quarto com a gente
dormindo largado na cama e quase sempre bêbados.
Santa Cruz era uma cidade interessante com muitas construções históricas,
circundada por vários anéis e de trânsito fácil. Bem policiada na época. Na
Bolívia, o que mais aconteciam eram golpes de Estado.
Como era carnaval no Brasil, também era lá. A proximidade da cidade com o
Brasil acabava absorvendo seus hábitos e, até camisas do Flamengo, podiam
ser vistas na região. A festa lá era bem parecida com a daqui. As músicas eram
as do país, mas algumas nossas. Muita gente na rua e uma brincadeira de
jogar água e lama nas pessoas. Carros abertos e motos eram os alvos.
Engraçado, mas sujos a maior parte do tempo.
Outra coisa descoberta lá foi a cerveja Paceña, bem mais forte do que as
nossas, mas muito gostosa. Todos os dias, de tarde e de noite.
Fomos a um baile de carnaval muito interessante, chamado de Mascaritas. As
mulheres só podiam entrar com máscaras e permanecer com as mesmas ou
eram retiradas do clube. Muita gente você não sabe quem é, o que torna o
baile uma curiosidade. As amigas do Cardoso não foram ou pelo menos
falaram que não iriam. Se foram estavam mascaradas e não soubemos.
Pegamos a estrada com amigos para Cochabamba e não fomos a La Paz
porque é uma cidade com quase 4 mil metros de altitude e não tínhamos
levado casaco para tal. Nenhum casaco, pra se mais preciso, afinal, iríamos
para a Bahia. Na viagem de trem, um casal de bolivianos nos convidou para ir
a Copacabana, cidadezinha no lago do Titicaca, fronteira com o Peru. Mas
achamos muito longe e também muito alta, o que inviabilizou essa aventura.
No caminho, entramos numa reserva indígena, Parque Nacional de Amboro,
muito lindo, com paisagens e rios belíssimos. Ali comi “sonso”, que é um aipim
amassado e assado numa fogueira com queijo. Com a Paceña ficou uma
delícia.
Foi uma semana divertida, mas muito mais estaria para acontecer. Por falta de
dinheiro, seríamos obrigados a voltar no famoso Trem da Morte, bem mais
barato que o Litorínea. Pegamos o trem à noite, com tempo previsto de viagem
entre 12 e 15h. Porém, na realidade foram 46 horas para percorrermos uma
distância um pouco menor do que 300 km. Logo de cara vimos que seria
“punk”. Estávamos localizados num vagão de segunda classe. Bancos de
madeira e sem conforto algum. Trem lotado, com uma carga rural importante,
sacos enormes de arroz, feijão, carne, milho, tomates e outros. Tudo isso
dividindo espaço com a gente. Fomos fazendo amizades e batendo papo, mas
logo começamos a ver que tudo seria muito complicado. Eu e Cardoso
resolvemos que enquanto um dormia no banco, outro dormia no chão. Os dois
sentados num banco duro não seria possível. Quem ficasse no chão era só
forrar com a mochila o local que colocaria a cabeça. Também começamos a
notar que ocorriam várias paradas quando saíam alguns passageiros e o trem
era obrigado a fazer manobras para retirar vagões que deveriam ficar na
estação. Isso levava muito tempo. Teve uma parada que levou seis horas para
a retirada de 5 vagões de locais diferentes do trem.
Uma característica muito engraçada, embora nojenta, era que nas paradas,
várias crianças corriam para o trem para vender limonada e empanadas, a fim
de alimentar de forma barata os passageiros, principalmente nós da segunda
classe. As empanadas eram gostosas (também pela nossa fome até pedra),
mas a limonada era um nojo. Não pelo gosto, mas porque as crianças vinham
com dois baldes, um cheio de limonada e outro cheia de água com os copos.
Após te vender um copo de limonada elas lavavam o copo no balde de água
onde também colocavam os copos depois de usados. Enchiam o copo de
limonada enfiando o copo dentro do suco com a própria mão. Terrível, mas foi
assim a viagem toda, até por que não tínhamos dinheiro para comer no vagão
refeitório. Nenhuma diarreia aconteceu nesse período.
Encontramos cinco gaúchos que voltavam para sua cidade. Estavam de carro,
mas a polícia os parou alegando que faltavam documentos específicos,
documentos esses que eles juravam possuir. Os policiais avisaram que o carro
ficaria preso e que eles teriam que esperar mais de dez dias pelos documentos
regularizados. Os gaúchos ficaram doidos, mas o policial deu uma solução.
Como o carro tinha seguro, eles dariam um documento de perda total no carro
e os gaúchos receberiam o seguro em casa. Nunca soube se o documento
dado pelos policiais bolivianos era verdadeiro, mas o acontecido retrata mostra
o padrão sul americano de segurança.
Nessa noite fomos ao vagão restaurante e, como eram muitos brasileiros, os
garçons bolivianos ficaram enfurecidos e a porrada comeu. Quase fomos
jogados para fora do trem em movimento, mas, no final, tudo se resolveu e
acabamos indo dormir.
Na manhã seguinte, eu dormindo no chão acordei com a maior gritaria. Era o
Cardoso discutindo com uma índia bem idosa. Depois descobri o motivo. A
neta dela, de uns 15 anos, estava deitada no nosso banco e o Cardoso queria
deitar ali. A idosa se meteu dizendo que não tiraria a menina. O cavalheiro do
meu amigo então, virou o banco. Sim, eram aqueles bancos que viram as
costas para os dois lados e assim você pode conversar com o banco da frente
ou com o de trás, conforme o seu desejo. O pior foi que além da menina voar
do banco, ela ainda caiu no saco de tomates da avó. A referida senhora xingou
muito e prometeu que o filho dela mataria o meu amigo assim que chegasse na
parada onde desembarcaria.
Você quando não tem muita coisa para fazer começa a inventar, e foi o que
fizemos. Uma hora fomos viajar sentado no teto do vagão, surfista de trem
boliviano. Era perigoso, mas divertido e com um belo visual. Mas logo apareceu
um fiscal tirando a gente de lá. Quando o filho da índia idosa entrou no vagão,
ele só pegou o saco de tomates e deixou a mãe falando sozinha, até por que
naquele momento ele teria que encarar eu, Cardoso e mais cinco gaúchos...
Uma hora o trem parou... havia caído barreira sobre o trilho. Começamos a
ajudar o pessoal da linha férrea a tirar a areia dos trilhos e isso durou algumas
horas. Na hora da locomotiva começar a se mover, o maquinista mandou a
gente reembarcar por ali mesmo porque não daria tempo de chegarmos no
nosso vagão, o último, e a velocidade nos dificultaria a subida. Lá fomos nós
pendurados na locomotiva até a próxima parada, molhados e sentindo um frio
do cacete.
Outra hora, durante a parada para mais uma das intermináveis trocas de
vagões, resolvemos tomar um banho num lago localizado perto dos trilhos.
Quando estamos de cueca tomando banho, depois de quase 24h de viagem a
seco, passa um indiozinho e avisa que no lago tem sanguessugas. Não
sabemos se era verdade ou mentira do moleque, mas, na dúvida, saímos
rapidinho e, pelo menos, conseguimos tirar um pouco do suor da viagem.
Se você acha que já estava ruim, você teve sorte de não estar naquele trem.
Quando já estávamos chegando (a placa na ferrovia dizia que faltava apenas
um quilometro para chegarmos em Puerto Quijaro), o trem parou por duas
horas. Não dava para irmos andando porque era noite e alí fazia parte do
pantanal, repleto de riscos naturais. Quebramos o vidro do alarme de tanto
stress. Vieram os fiscais do trem correndo pra saber o que havia acontecido.
Na cara de pau eu falei nada aqui, mas machucou a alma.
Chegamos na estação de Corumbá de madrugada e o trem para Bauru sairia
pela manhã. Como já não tínhamos dinheiro prá quase nada, dormimos no
banco da estação. Pela manhã, Cardoso descobriu que havia sido roubado e
ficou sem uma bolsa, mantendo apenas a mochila. Eu, como só tinha um
mochilão, dormi abraçado com ele e nada aconteceu. Pior é que a bolsa
roubada tinha o presente que ele havia comprado para a mãe.
Pela manhã, ajudado por um colombiano que conhecemos no Trem da Morte e
que vinha para o Brasil com seu filho, conseguimos completar a passagem até
São Paulo, embora tivéssemos que fazer baldeação em Bauru. Passagem
comprada, o importante agora era encontrar o que comer. A viagem seria,
aproximadamente, de mais de 25 horas, porque o trem era parador. Com o
dinheiro que sobrou, deu para comprarmos um saco grande de laranja e o
negócio era chupar o suco e comer o gomo e assim matar a fome. Fome já era
uma situação com a qual convivíamos, sem muita dificuldade, durante toda
essa viagem. Só comíamos bem em Santa Cruz por que lanchávamos na casa
das meninas. Fomos lendo jornais de outros passageiros e conversando para o
tempo passar. Estávamos com cara de sujos e com as roupas imundas, mas
ainda assim era divertido. Muitas histórias para contarmos. Muitas ideias para
outras situações no futuro. No começo da noite entrou um novo passageiro no
vagão e sentou ao lado do nosso banco. Começamos a bater papo sobre a
viagem e o cara, meio espantado pela aventura, se prontificou a nos pagar um
lanche no vagão refeitório. Chegando lá, já passava das 21:00h e não tinha
mais comida. Colocaram uma cesta de pão na mesa e acabamos bebendo
doze cervejas. O cara iria descer numa cidade logo à frente e deixou paga as
cervejas. Sem termos o que fazer era beber as cervejas e dormir logo depois.
No final do dia seguinte, chegamos a São Paulo. Sim chegamos, mas não em
casa. Sem dinheiro para chegarmos ao Rio (naquela época não existia cartão
de crédito) e era uma noite de sexta feira. Liguei para casa, a cobrar (também
não existiam celulares), e pedi à minha mãe o telefone de uns primos que
moravam em Sampa. Quando liguei, eles estavam indo jantar fora, mas iriam
passar na Estação da Luz para comprar nossas passagens. Ao chegarem,
tomaram um susto com nossas aparências. Barba por fazer, cara de cansados
e bastante abatidos. Fizeram questão de nos levar para jantar (eu já ficaria feliz
com um sanduiche), mas fomos. Só pegaríamos a Via Dutra de madrugada e,
desse jeito, dormiríamos melhor ainda, sem fome. Nos levaram num ótimo
restaurante de São Paulo, o Gigetto, que por azar, tinha fila de espera. Meus
primos, Fernando e Rita Verginelli, sempre disse ser inesquecível a nossa cara olhando
os pratos bem servidos que passavam pela nossa frente na fila, enquanto
esperávamos sentar à mesa.
Finalmente, no dia seguinte pela manhã, chegávamos ao Rio de Janeiro,
arrasados, mas felizes pela aventura. Tanta aventura que minha mãe jogou
várias roupas no lixo por estarem irrecuperáveis. Mas meu relógio eu ostentava
orgulhoso no pulso esquerdo.
• Região Norte com aventura:
Em julho de 1980 combinei uns dias na fazenda de um amigo, Thales, durante
a nossas férias de inverno. Thales era meu amigo da época do colégio e sua
fazenda ficava em Paragominas, no Pará. Como ele iria antes de mim, ficou
acertado que sua funcionária, aqui no Rio, passaria uma mensagem pelo rádio
para a fazenda, confirmando meu dia de chegada.
Comprei a passagem. Trinta e oito horas de ônibus e sem saber se o meu
amigo havia recebido a mensagem de rádio enviada pela funcionária.
Dei sorte porque ao meu lado sentou uma menina de 15 anos, filha de uma
oftalmologista que estava na cadeira da frente com a outra filha menor. A
conversa não era tão ruim. Só que depois de 24 h eu já não aguentava mais
ninguém ao meu lado. Vale lembrar que isso foi na década de 80. A falta de
estrutura dessa época se caracterizava numa frota de ônibus não tão
modernos, estradas muito ruins e paradas terríveis, principalmente, a partir de
Belo Horizonte. Havia lugares que possibilitavam o banho, mas o chão era de
terra. Imagina a angústia de tentar se limpar e cada vez se sujar mais.
Quando percebi (pelo mapa do 4 rodas) que estava chegando avisei ao
motorista que desceria na estrada, na entrada para Paragominas. Ao chegar o
motorista ainda me perguntou se eu iria descer ali mesmo ou se não preferia
ficar num posto de gasolina, alguns quilômetros à frente afinal, era quase uma
hora da manhã. Respondi que havia marcado com o amigo e desceria ali
mesmo. Desci no meio da floresta e quando o ônibus se foi, um breu alucinante
surgiu. Vou ter que assumir que pensei ter me ferrado. E agora, nenhuma luz
de farol nem no lado direito e nem no lado esquerdo. Para minha sorte, de
repente, piscou uma luz no meio da mata. Ouvi um grito: Caio, é você? Sim,
porra. Thales ligou o carro e me pegou no outro lado da estrada.Comentou que
ali tinha muito bandido e assaltos eram comuns, por isso, ele tinha optado por
permanecer escondido. Agradeci a falta do aviso prévio...rsrsrsrsr
Passamos alguns dias na fazendo cavalgando, tocando bois e vivendo a vida
de fazendeiro. Os programas, inclusive o jornal da televisão, passavam com
um dia de atraso, por meio de retransmissão, Se o mundo tivesse acabado,
não saberíamos. O pai do Thales resolveu mandar a gente a Belém prá
passear. Eram quase seis horas de carro, estrada esburacada e muito
movimento. Ficamos na casa do seu irmão pediatra. Conheci bastante a cidade
de Belém e depois fomos para Mosqueiro, uma praia de rio muito badalada
perto de Belém. Mais tarde, seguimos para Salinópolis, que na época era a
Búzios do Pará. Ali, pela primeira vez, vi que os carros paravam na areia
durante a maré baixa. Quando a maré subia, alguns carros ficavam presos e
eram envolvidos pela água do mar. Lugar bastante bonito e simpático.
Restaurantes servindo peixe e praias muito cheias. Dois dias e voltamos para
Paragominas. O Thales havia deciddido voltar de carro. Viemos pela Belém-
Brasília cheia de buracos e muitas tropas de gados fechando a estrada por
horas. Dormimos em Belo Horizonte e no dia seguinte chegamos ao Rio.
• Carnaval na Paraíba:
Outro carnaval bastante engraçado foi uma viagem (com o grupo de sempre da
época da escola), mais uma vez, para a casa do irmão do Prentice, em
Salvador. Chegamos uma semana antes e nos embalamos nas festas de rua.
Fui convidado por amigos baianos para ir para a ilha de Itaparica. Avisei ao
grupo que estava indo. Voltei depois de três dias e encontrei meus amigos
alucinados pela minha falta de notícias mas, naquela época, era assim mesmo
que funcionava. Na quinta feira antes do carnaval, Cardoso queria ir para João
Pessoa. Ninguém entendeu nada. Como eu já estava cansado do carnaval
baiano, aceitei o desafio. Primeiro a pergunta básica: onde ficaríamos? Ele
afirmou conhecer uma família lá que, com certeza, não nos deixaria na rua.
Ótimo, combinado. Pegamos o ônibus para João Pessoa. Chegamos na sexta
feira, pré carnaval, na acanhadíssima rodoviária da Paraíba. Perguntei para o
Cardoso como chegaríamos na casa de seus amigos. Ele respondeu que
teríamos que ir à escola porque a senhora era professora. Eu rindo retruquei
que numa sexta feira de carnaval, escola nenhuma funciona. Fomos até a
escola e uma funcionária achou o endereço da professora. Conseguimos achar
a casa dela. Era uma família muito humilde. Não seria uma hospedagem, mas
um pouso apenas. Por dois dias compramos frango assado e levamos para a
refeição. Nos divertimos muito em João Pessoa. Carnaval animadíssimo e
praias excelentes como Cabo Branco, Tambaú, com sua banda maravilhosa,
Cabedelo e Areia Vermelha.
A noite pulávamos carnaval no baile do Clube Cabo Branco. Literalmente
pulávamos porque tínhamos que escalar o muro para entrar no clube. Não
éramos sócios e nem tínhamos dinheiro para comprar o ingresso.
Outro problema: Cardoso trabalharia na quarta-feira de cinzas depois de meio
dia. Pegamos o ônibus de volta em plena terça feira de carnaval e passamos o
último dia de folia viajando para chegar no Rio de Janeiro a tempo. Mas valeu
muito porque de Salvador, eu já estava de saco cheio.
• Trindade “zen” nada:
Uma outra viagem muito legal da época da faculdade foi com o grupo para
Trindade, uma praia, bastante deserta, perto de Parati. Estávamos em 1983.
Como tudo foi conversado na aula, acabou se formando um grupo de três
homens e cinco mulheres. Tudo resolvido: barraca, sacos de dormir,
alimentação e mochilas. Chegamos cedo à rodoviária do Rio e pegamos o
ônibus para Parati. Até aí tudo bem. Perguntando como chegar em Trindade,
nos foi informado que seria necessário pegar outro ônibus até Patrimônio e
dali, andando até a praia. Tudo bem, descemos na estrada e vimos a placa
para a tal praia. Começamos dividindo o peso já que eram menos homens. O
peso ficou com a gente. Eu, Batata e Carlos Patrício, o chileno. Eram muitas
bolsas (a mulherada nunca tinha acampado), levavam cremes, pentes, escovas
e outras frescuras. Era muito chão prá cima e depois ainda tínhamos que
descer muito até chegarmos à praia. O visual, lindíssimo, mas a estrada era de
terra uma distância de quase 8 km. Chegamos na praia já estava escurecendo
e resolvemos armar a barraca na praia maior. Pela manhã, várias surpresas.
Uma praia linda, a Praia do Meio, com algumas casas de pescadores, montanhas com muito
verde, pedras no meio e no canto da praia, onde havia uma divisão para outra
praia e um rio doce maravilhoso. A maior surpresa de todas foram as comidas
que as meninas trouxeram. Até pão francês, ou seja, pão duro depois de 24
horas de viagem. Nenhuma lataria, nem leite condensado ou suco de caixa.
Nada realmente útil para um acampamento. Ao final do dia elas tinham que ir
ao rio tomar banho de água doce enquanto nós, os homens, mesmo à noite
estávamos no mar.
Um lugar de praias fantásticas e totalmente desertas. Depois de três dias, o
tempo ficou muito feio e resolvemos levantar acampamento. Se chovesse, o
que achávamos que iria acontecer, não conseguiríamos subir a ladeira de terra
pelo lamaçal que acabaria se formando. Chegamos em Parati e, depois de um
passeio no centro da cidade, pegamos o ônibus pro Rio de Janeiro. Caiu muita
chuva durante toda a viagem de volta.












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