Viajando para o Sul de Carro
- ctbretas
- 12 de jun. de 2024
- 9 min de leitura
Atualizado: 21 de jul. de 2024
Acabando o stress e o momento do vestibular em 1978 eu, Carlos Renato Moura, Eduardo Carlos Cardoso, José Martins (Baiano) e o Prentice Jr, amigos do Colégio Santo Agostinho, tínhamos combinado uma viagem até o sul do Brasil, de carro. Seria uma aventura bastante diferente. Logo de cara começaram os problemas. O Prentice estava servindo o exército e não poderia sair no começo de fevereiro como planejado. Teria que fazer uma prova no CPOR, e segundo ele mesmo havia pesquisado com alguns amigos, se fosse mal na prova seria liberado. Combinamos então de telefonar para ele durante a viagem para que ele fosse nos encontrar pelo caminho. Segundo problema: somando o tempo de carteira dos quatro escalados para a viagem não daria um ano. Todos com dezoito anos e dirigindo há pouco tempo. E "last but not least", os pais do Cardoso não podiam saber que iríamos de carro, porque não iriam permitir. Combinamos que falaríamos que a viagem seria de ônibus até Porto Alegre, para a casa de uma prima do Carlos Renato. Até a mãe do próprio Carlos Renato mentiu para que o Cardoso pudesse ir, fato que depois deu um desconforto muito grande, depois que retornamos da viajem, já que as mães eram amigas.

Na data marcada saímos os quatro num Chevette bem novo, presente ganho pelo Carlos Renato após fazer 18 anos. Pegamos em fevereiro de 79 a estrada Rio-Santos, ainda em construção, com vários locais sem pavimentação, mas com uma beleza deslumbrante. Entre Angra e Ubatuba era barro puro. Fomos direto dormir em Ilha Bela, litoral de São Paulo. Nesse dia, no final da tarde pegamos a balsa em São Sebastião e acabamos numa praia da ilha. Local lindíssimo, e como o Cardoso havia levado sua tarrafa, pescamos vários peixes para o jantar. A fritura no fogareiro ajudava a espantar os mosquitos na beira da praia. E como sempre, eram muitos. Conseguimos dormir um pouco de madrugada, mesmo sem armar a barraca na praia, e cedo o sol já batia nos nossos rostos. Aproveitamos e fomos numa cachoeira linda tomar banho antes de seguir viagem.
Íamos fazendo um rodízio quase que a cada três horas na direção para cada um, mas o engraçado era o Baiano que sempre que pegava a direção colocava suas luvas de dirigir e óculos escuro. Era um ritual engraçadíssimo ainda mais para um piloto recém graduado.
No dia seguinte voltamos pela balsa e seguimos para Guarujá, Santos e passando por Peruíbe, pegamos a BR 116, para chegar tarde da noite em Curitiba, onde conseguimos dormir em um camping, um pouco antes de chegar ao centro da cidade.
Acordados, café da manhã tomado, estrada de novo. Saímos de Curitiba e só fomos parar em Barra Velha, já em Santa Catarina, onde montamos nossa cabana no meio da praia, protegida pelo carro e por uma pequena duna em frente, sem muita segurança. Como não tínhamos dinheiro, nem para o básico, dormir nesse sistema era esperado, e seria comum por toda a viagem. Era uma praia interessante e perto das praias de Penha e Piçarras, que usamos como cidades base. Eram muito pequenas nessa época, e de pouco interesse quando comparadas as praias ao redor.

Saímos depois para Navegantes, uma praia linda, mas bastante perigosa. Estávamos de papo na ponta da praia, perto do canal para Itajaí, quando passou um carro com os caras gritando que tinha gente se afogando no meio da praia. Como éramos acostumados ao mar, todos moleques da praia do Leblon, pegamos o carro e fomos até o local. Ao parar o carro nos deparamos com uma cena surreal. O salva-vidas, apenas um, estava tentando entrar no mar, com uma boia, tipo câmara de caminhão, para salvar os afogados. Rapidamente nós informamos que eram quatro crianças, é uma tinha sido retirada da água desacordada e já estava a caminho do pronto socorro. Então entramos os quatro no mar e conseguimos retirar duas crianças, mas a outra por mais que mergulhássemos não foi possível encontrá-la. As crianças estavam passando férias na casa de uma tia, conforme relato do pessoal na praia, e depois nos confirmaram que dois irmãos morreram. Foi um dia muito triste, embora tenhamos conseguido salvar duas crianças, mas mesmo nesse clima de silencio no carro seguimos até Balneário Camboriú. Mesmo com muita tristeza ainda fomos conhecer as praias de Taquara e Laranjeiras, por uma estrada mínima e toda de terra batida. Locais lindos, com pouca gente, num final de tarde e começo de noite. Achamos um camping no final da praia de Camboriú e dormimos para esquecer a tristeza acontecida naquele dia. Cardoso muito abalado nem saiu da barraca para um rolé. Mesmo com o agito na cidade praiana de Santa Catarina voltamos cedo pra barraca porque o clima estava meio pesado.
Seguindo viagem fomos a Itapema, Tijucas e acabamos indo conhecer Floripa. Conforme combinado telefonamos para o Prentice para saber aonde o encontraríamos, mas para manter a tradição ele se enrolou. Fez uma péssima prova no CPOR, de propósito, achando que fosse ser dispensado, mas por isso acabou sendo transferido para a tropa e ficaria mais tempo servindo à Pátria. Depois disso fomos “comemorar” porque o Prentice não mais viria, e rindo muito da situação criada por ele. O Cardoso aproveitou e telefonou para a mãe dizendo que a cidade de Porto Alegre era uma maravilha, e estava se divertindo muito. Mais tarde vocês verão que nem lá chegamos. Pegamos uma chuvarada no passeio pela cidade de Florianópolis, centro velho e as pontes de entradas, e realmente agitação era seu nome. Acabamos armando a barraca no meio da noite na praia do Campeche, que vimos ser linda só no dia seguinte, depois do nascer do sol.

As maravilhas das praias da ilha nos contagiavam, mas a viagem tinha que continuar. Saímos então para Palhoça, guarda do Embaú e finalmente chegamos em outro paraíso. Era Garopaba, uma praia maravilhosa, com ótimas ondas naquele dia, e foi super divertido passar o dia naquele paraíso em 1979.
Nossa alimentação era restrita por falta de grana, mas íamos nos divertindo demais. Tudo era novidade e a liberdade era contagiante, nos fazendo rir e tirar sarro de cada erro ou furada que o companheiro dava.
Continuamos com o carro pelas areias duras de Imbituba, muito diferente das praias com areias fofas do Rio de Janeiro, e com medo do carro atolar, já que era um carro pelado, sem nenhuma tração especial. Chegamos em Laguna, num sábado de Carnaval, muita agitação nas dunas da praia. A tarde o Cardoso com sua tarrafa pegou vários siris, quase que acabando com a rede devido as garras presas no nylon, mas pelo menos tivemos um jantar de gala, carne de siri à vontade. Colocamos mais de vinte siris dentro da panela com água do mar e cozinhamos todos. Depois muito carnaval de rua, na animada Laguna.
Saímos de manhã para Araranguá, já que sabíamos que existia um camping muito bom, Morro dos Conventos, mas chegar num domingo, em pleno carnaval era loucura. Mais de mil barracas armadas e dezenas de trailers no mesmo espaço. Quando chegamos o responsável disse que seria difícil arrumarmos um local, mas podíamos dar uma volta e se achássemos poderíamos armar a barraca, e depois voltar para pagar a diária. Missão dada, missão cumprida.

Paramos o carro numa vaga, o que já era raro, e em frente havia um espaço para a nossa barraca. Sensacional. Tudo dando certo. Fomos para as piscinas, sauna, jogamos bola e nada de comida. O supermercado que existia no camping era caro, e não podíamos comprar nada demais mesmo. Uma família vendo nossa situação nos deu um abacaxi para dividirmos entre os quatro, e assim almoçamos. À noite saímos para passear pelo camping, já que tinha carnaval, e o Carlos Renato como estava de baixo astral resolveu ficar na barraca sozinho, acho que era fome. No meio da noite, e do carnaval, caiu o maior temporal, e depois de muita água cair conseguimos voltar para a barraca, para o nosso pernoite. Todos já calibrados pela festa de carnaval no camping. Daí caímos na real do porque havia aquele espaço especial para a nossa barraca. A água de todo o camping corria naquele caminho, era um escoador, e encontramos o Carlos Renato sentado dentro da barraca, com água na barriga, tudo molhado, e bebendo a garrafa de batida de limão que tínhamos. Totalmente bêbado, e rindo da merda em que estávamos. No dia seguinte continuamos no camping, para limpar e secar as coisas, pegar um sol, jogar bola e depois no começo da tarde partimos para Torres.

Nessa cidade resolvemos almoçar num restaurante, a primeira vez na viagem. A praia era linda, e aquela pedra enorme no fim da extensão da mesma era um visual maravilhoso. Entramos no restaurante e pedimos para o garçom colocar um garrafão de vinho tinto, que tínhamos no carro, na geladeira, porque assim iríamos baratear a conta sem pagar a bebida. Naquela época não existia a lei seca. O garçom começou a perguntar sobre a nossa viagem, e quando soube das aventuras e da nossa situação resolveu ajudar. Cada história contada ele se debulhava em risos. Então resolvemos pedir para que as travessas das outras mesas que ele levaria para a cozinha de volta, no final do almoço da quela mesa, que deixasse na nossa, e assim ficamos mais se quatro horas almoçando e bebendo vinho. À noite mais carnaval, e dormimos na areia gelada da praia de Torres.
Saímos de Torres seguindo pela praia até Capão da Canoa, e resolvemos subir para Gramado. O engraçado é que a promessa do Cardoso para a mãe que iríamos para Porto Alegre e nem lá chegamos, entrando, antes de alcançarmos a tal cidade, na velha estrada para as serras gaúchas. Entramos por ali e subimos para Gramado, por uma estrada bem difícil, a serra antiga, mas encantadora. Chegamos a Gramado à tarde, e passeamos por vários locais. Cidade linda demais é muito organizada, já nessa época, e aproveitamos e também fomos até Canela. Claro que juntamos um dinheiro, cada vez mais escasso, e tomamos um café colonial, tradicional daquela região. Comemos demais e enchemos as bolsas com sanduíches, bolos e biscoitos para garantir outras refeições. No final da tarde, ainda com sol estávamos no Parque do Lago Negro, lindo, cheio de hortênsias e muita gente. Resolvemos nos esconder, já que era proibido acampar naquela região, e colocamos o carro dentro das hortênsias. Ficamos camuflados e depois de armar a barraca já a noite comemos os restos do café colonial e dormimos tranquilo num lugar mágico e com milhões de estrelas sobre as nossas cabeças.

No dia seguinte, último dia de carnaval e tínhamos que chegar a Caxias do Sul. Estrada também muito bonita, e a cidade, bem mais populosa, já com grande movimentação. Arrumamos um lugar no camping afastado da cidade. E a noite fomos para a cidade, já que tinha desfile de escolas de samba na avenida. Começamos a circular e não deu meia hora e já estávamos dentro do palanque da Prefeitura, com todas as mordomias possíveis. Escalamos o local sem sermos vistos. Até com o prefeito da cidade o Cardoso batia papo durante o desfile.
No dia seguinte fomos a uma vinícola e o dono nos disse que já tinha colhido todas as uvas que precisava, então que poderíamos pegar tudo que quiséssemos em uva. Enchemos dois caixotes de feira, e assim como estávamos começando a voltar para o Rio, tínhamos comida garantida. Aproveitamos e cada um comprou dois garrafões de vinho, e assim, a bebida também estava garantida. Depois dessa visita começamos a viagem de volta já que o dinheiro já estava quase no final, mas pelo menos poderíamos comer uva nos dias restantes.
Saímos de Caxias e passamos por Vacaria no Sul, Lages, já em Santa Catarina, e formos dormir num posto entre Curitiba e São Paulo, na BR 116. Um quarto horroroso, e cheio de motorista e piranhas circulando. Na manhã seguinte achamos que tinham roubado o carro já que havia tantos caminhões no pátio, que o Chevette havia sumido entre eles. Foi rápido, mas o Carlos Renato, dono do carro, quase foi à loucura.
Continuamos a viagem para chegar ao Rio, e quando entramos em São Paulo acabamos nos perdendo, e não achávamos a saída para a via Dutra. Perguntamos algumas vezes até conseguir entrar na estrada que nos traria de volta à casa.
O impressionante é que ao entrar na estrada enchemos o tanque, que era o que precisaríamos para chegar em casa, e na avaliação final constatamos que só tínhamos dinheiro para pagar os quatro pedágios que já existiam naquela época. A gasolina tinha que dar, e por isso nada de acelerar demais, para não queimar combustível e correr o risco de ficar pelo caminho.

Finalmente, depois de dezessete dias, ao anoitecer, chegávamos ao Leblon, tendo vivenciado uma aventura maravilhosa. Pior que ao chegar em casa descobri que minha família estava em São Paulo há dias, e tive que, mesmo em casa, comer mais uvas pois a geladeira estava vazia. No dia seguinte saí da praia e fui almoçar na casa da minha tia em Ipanema, e você não imagina como foi bom ver um prato de comida...
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